quarta-feira, 22 de janeiro de 2014

Viver

deste jeito não é viver.

Mas eu faço de conta que é. A vida leva-nos coisas quando nos quer trazer outras. Por vezes só muda pormenores e outras vezes muda tudo. Não és meu. Se calhar só achava que eras, e nunca fomos um do outro. Se calhar andámos sempre a fugir e nunca chegámos a encontrar-nos. Se calhar usávamos palavras nossas porque as comuns não se adequavam. Ou se calhar não. Se calhar. Não.

Os dias passam depressa e as noites devagar. E como eu gostava que fosse sempre de dia. A noite traz-te à minha cabeça (como se alguma vez conseguisses sair dela de dia!?). Mas à noite... à noite é assim. A noite dói muito mais que o dia. Julgo que tem a ver com o facto de haver mais silêncio, sabes? Costumo ouvir dizer que se queremos alguma coisa de volta, temos de nos calar, de manter o silêncio, de ignorar. Não dizer absolutamente nada. A noite faz isso comigo. A noite ignora-me. E com a noite, também tu. Também tu me ignoras. Num mundo perfeito, eu não pediria coisas perfeitas. Num mundo perfeito, a perfeição seria que me dissesses qualquer coisa. Nem que fosse que cheiro mal, que falo demais, que sou estúpida, que tenho manias, que não sentes a minha falta. Alguma coisa que eu pudesse, na minha mente de escritora, transformar em luzinha. Uma luzinha de esperança, como a daquelas velas que se acendem em Fátima para rezar pelos nossos. Como eu queria que me mandasses embora, que me obrigasses a nunca mais te ver, que me dissesses para nunca mais levar a ti os meus caracóis. Como queria que me dissesses que sair à rua sem maquilhagem não é para mim, nem nunca foi. Que fico horrível. Que tenho um cisco no olho. Que tenho um pêlo na camisola. Que tenho a cara suja. Qualquer coisa.

Ou não. Num mundo perfeito também nós nos ignoraríamos, porque ignorar faz sentido. Ignorar dá resultado. Ignorar faz perceber o quanto se gosta. Num mundo perfeito, ignorar seria a nossa cura. Deitados, abraçados na cama, a ignorar-nos mutuamente, enquanto te beijo o pescoço e te sussurro mentalmente ao ouvido que fazer amor contigo é a melhor coisa que tive no mundo imperfeito.

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