terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Apanhei

o autocarro pelo caminho mais longo para casa para te ver.

Demoro cerca do quádruplo do tempo quando o faço. Uma viagem que normalmente me custa 6 minutos passa a custar quase meia hora. Mas ia valer a pena, por ti. Olhava pela janela e pensava em tudo o que já me tinhas dito. No que me dizias dia-sim, dia-não. E não sabia escolher qual das tuas divergentes opiniões deveria acatar. Gosto quando vens enrolar-te em mim. Mas passado umas horas, a tua língua, outrora enrolada na minha, enrola-se nela mesma e faz-me cair. Mais uma vez. Mais outra vez. Outra.

Gosto de me enrolar contigo, e se algum dia te enrolei de outra forma, peço desculpa. O único enrolamento que queria pra nós era aquele que, a mim, me fazia viver melhor. A minha mãe tem alergia ao pó, sabes? E quando anda a limpar, lá pela garagem coisas que só limpa de muito em muito tempo, tem crises alérgicas e precisa de usar uma bomba. Estar contigo sempre funcionou como a minha bomba. Eu não tenho grandes alergias, mas tenho as minhas crises. Todas nós temos. E tu és a cura delas. Sempre foste. O problema é que quando não te tenho, elas voltam. E estão a voltar agora, tanto. Queria poder fingir que está tudo bem comigo, mas nunca está. Já me agradeceste por ter sempre lutado, mas começo a perceber que esse foi o nosso mal. E peço-te perdão. Perdoa-me ter sempre insistido e ter sempre acreditado em nós. Pensava que éramos almas gémeas. E somos. Esse é o nosso pecado. Perder-te é perder-me e não está certo quando dependemos tanto de alguém. Pra mim tu já não eras uma pessoa alheia, ou outro ser. Tu, eras eu. Tu fazias parte de mim, como pessoa. E perdendo o presente e ter de passar a pretérito, perco os sentidos.  Perco os sentidos e sinto que te perco a ti. E perdendo-te a ti, perco-me a mim.

Passei na paragem do autocarro onde devia sair pra te procurar, e não toquei no botão para parar. 
Tal como os sentidos, perdi a coragem de te incomodar mais uma vez.

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